Nicolas Sarkozy, Abril de 2007 (durante a sua campanha presidencial)
As comemorações dos quarenta anos de Maio de 68 acontecem numa época pouco propícia a saudosismos, bem pelo contrário, o actual presidente francês, Nicolas Sarkozy, anunciou na sua campanha a sua missão de acabar com a "ideologia" do Maio de 68, que, segundo ele, representa a anarquia e o relativismo moral em detrimento dos valores tradicionais. A atitude do presidente não é, porém, uma manifestação isolada nem espontânea, antes é sustentada por uma história, quase tão longa como o tempo que nos separa daqueles acontecimentos, uma história de críticas e de oposição ao pensamento conotado com aquela "revolução abortada". Uma das mais conhecidas e mais severas mas sustentadas análises críticas foi já publicada em meados dos anos 80, por Luc Ferry e Alain Renaut, com "La Pensée 68 - Essai sur l'Anti-Humanisme Contemporain" (Gallimard, 1985), onde os autores atacam a alegada distorção da história feita por Michel Foucault, as inexactas e pouco científicas análises "marxistas" de Pierre Bourdieu, os golpes mortais de Lacan desferidos sobre o "sujeito" e a "empresa de repetição" superficial da obra de Heidegger feita por Derrida. Apesar de uma clareza de raciocínio insuspeita, a crítica visaria uma revalorização do "humanismo", reintroduzindo um certo iluminismo kantiano contra uma tradição da suspeita (Marx, Nietsche, Heidegger), mas com um indisfarçável tom de "ajuste de contas". Outros autores (Rawls, Habermas e agora Ratzinger-Sarkozy, descontadas as assimetrias e ressalvando as devidas distâncias, evidentemente) e outras obras se seguiram numa polémica que por vezes se cruzou com as discussões confusas sobre o "pós-modernismo", entre outras "imposturas intelectuais".
Longe de ver um fim, esta discussão viu este ano a edição de uma outra obra "La Pensée anti-68 - Essai sur les origines d'une restauration intellectuelle" (Éditions de La Découverte), de Serge Audier, que, segundo parece, pretende fazer uma análise profunda e sistemática destas posições antagónicas, no contexto da sua pluralidade.
O revisionismo histórico e intelectual não é nenhuma novidade, mas se por vezes encobre "obscuras" intenções ou uma certa "má-fé", tem pelo menos a virtude de aguçar o espírito crítico e alertar para o inevitável relativismo dessas mesmas posições de releitura da história das ideias. Por outro lado, se a contra-história revela a insustentabilidade das pretensões objectivistas, ela própria se expõe às iniquidades do perspectivismo. E porque sobre o melhor pano cai a nódoa, cito uma crítica à recente obra de Michel Onfray, "Le Songe d'Eichmann", feita por Patrice Bolon no nº deste mês de uma revista muito conhecida que não refiro, para não me acusarem de fazer publicidade gratuita:
"Comme le rappelle Hannah Arendt dans Eichmann à Jérusalem, lors de son procès, l'organisateur de la déportation des juifs se réclama, à la surprise générale, de Kant. Il n'avait jamais lu Mein Kampf, mais connaissait très bien la Critique de la Raison Pratique, dont son père, un chef d'entreprise luthérien, l'avait imbibé dans sa jeunesse. Interrogé par l'avocat général, Eichmann donna d'ailleurs une formulation tout à fait fidèle de l'"impératif catégorique".
C'est en partant de ce fait que Michel Onfray s'interroge sur les liens entre le kantisme et le nazisme. Ce n'est pas que l'auteur des Critiques aurait "poussé" Eichmann vers le nazisme, mais rien dans son oeuvre, soutient Onfray, ne l'en a dissuadé. Et de rappeler qu'il n'y a, dans ses écrits, aucun appel à l'insoumission (cela sans parler de son racisme anti-noir), mais, au contraire, la nécessité sans cesse réaffirmée de se conformer à la loi, telle qu'elle est formulée. (...)"
Julguem vocês mesmos.
Longe de ver um fim, esta discussão viu este ano a edição de uma outra obra "La Pensée anti-68 - Essai sur les origines d'une restauration intellectuelle" (Éditions de La Découverte), de Serge Audier, que, segundo parece, pretende fazer uma análise profunda e sistemática destas posições antagónicas, no contexto da sua pluralidade.
O revisionismo histórico e intelectual não é nenhuma novidade, mas se por vezes encobre "obscuras" intenções ou uma certa "má-fé", tem pelo menos a virtude de aguçar o espírito crítico e alertar para o inevitável relativismo dessas mesmas posições de releitura da história das ideias. Por outro lado, se a contra-história revela a insustentabilidade das pretensões objectivistas, ela própria se expõe às iniquidades do perspectivismo. E porque sobre o melhor pano cai a nódoa, cito uma crítica à recente obra de Michel Onfray, "Le Songe d'Eichmann", feita por Patrice Bolon no nº deste mês de uma revista muito conhecida que não refiro, para não me acusarem de fazer publicidade gratuita:
"Comme le rappelle Hannah Arendt dans Eichmann à Jérusalem, lors de son procès, l'organisateur de la déportation des juifs se réclama, à la surprise générale, de Kant. Il n'avait jamais lu Mein Kampf, mais connaissait très bien la Critique de la Raison Pratique, dont son père, un chef d'entreprise luthérien, l'avait imbibé dans sa jeunesse. Interrogé par l'avocat général, Eichmann donna d'ailleurs une formulation tout à fait fidèle de l'"impératif catégorique".
C'est en partant de ce fait que Michel Onfray s'interroge sur les liens entre le kantisme et le nazisme. Ce n'est pas que l'auteur des Critiques aurait "poussé" Eichmann vers le nazisme, mais rien dans son oeuvre, soutient Onfray, ne l'en a dissuadé. Et de rappeler qu'il n'y a, dans ses écrits, aucun appel à l'insoumission (cela sans parler de son racisme anti-noir), mais, au contraire, la nécessité sans cesse réaffirmée de se conformer à la loi, telle qu'elle est formulée. (...)"
Julguem vocês mesmos.
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