quinta-feira, 29 de maio de 2008

Pode a Honda acabar com o terrorismo?

Será interessante pensar o que terá a filosofia que ver com o espaço público actual e qual o papel que ai ela pode assumir. Esse espaço público parece hoje possuir cada vez mais os contornos de um verdadeiro mercado de informação, onde é possível classificar e tematizar qualquer mensagem, segundo um critério de oferta-procura. Toda a mensagem pública já tem o seu público-alvo. Pouco falta para o discurso político, que interessa a todos, ser arrumado num canal pay-per-view, onde os fãs da cena política têm o seu espaço de diversão. Propunha, talvez, a criação de um canal "Filosofia".
Assim, qualquer texto (num sentido lato do termo), por mais sério que possa ser, mesmo que o seu conteúdo seja o mais delicado e comprometedor possível, pode tornar-se num excelente spot publicitário. Ora vejam lá o video...



segunda-feira, 26 de maio de 2008

Update (68 e tal)

Bem, um breve post só para dizer que me esqueci do mais engraçado.
André Glucksmann é um filósofo francês de quem nunca li nenhum livro e por isso não arrisco nenhuma "definição". No entanto, é sabido que na sua juventude foi um dos combateu, como maoísta, no Maio de 68 e que desde então se foi exprimindo política e filosoficamente, sobretudo contra todo o tipo de totalitarismo (do nazismo ao comunismo), numa posição semelhante à de Bernard Henri-Levy, mas também defendendo certas intervenções militarizadas em países como a Nicarágua e o Iraque. No ano passado, decidiu, contra um alegado imobilismo e sobrevalorização moral da esquerda francesa, apoiar abertamente a candidatura de Nicolas Sarkozy. Quando em Abril de 2007, o actual presidente francês se pronunciou contra a "ideologia" do Maio de 68, ficou preocupado e, juntamente com o seu filho, Raphael Glucksmann, o qual ficou chocado com as declarações de Sarkozy, mas ainda mais com o facto de esse ser o candidato apoiado pelo seu pai, que sempre lhe havia falado do Maio de 68, decidiu escrever um livro humoradamente chamado "Mai 68 expliqué à Nicolas Sarkozy". O livro foi já traduzido para português e editado pela Guerra e Paz.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Contra-história e hermenêutica revisionista

«Les héritiers de Mai 68 avaient imposé l'idée que tout se valait, qu'il n'y avait donc désormais aucune différence entre le bien et le mal, aucune différence entre le vrai et le faux, entre le beau et le laid. Ils avaient cherché à faire croire que l'élève valait le maître [...], que la victime comptait moins que le délinquant.» «Il n'y avait plus de valeurs, plus de hiérarchie» [...]. Dans cette élection, il s'agit de savoir si l'héritage de Mai 68 doit être perpétué, ou s'il doit être liquidé une bonne fois pour toutes»
Nicolas Sarkozy, Abril de 2007 (durante a sua campanha presidencial)

As comemorações dos quarenta anos de Maio de 68 acontecem numa época pouco propícia a saudosismos, bem pelo contrário, o actual presidente francês, Nicolas Sarkozy, anunciou na sua campanha a sua missão de acabar com a "ideologia" do Maio de 68, que, segundo ele, representa a anarquia e o relativismo moral em detrimento dos valores tradicionais. A atitude do presidente não é, porém, uma manifestação isolada nem espontânea, antes é sustentada por uma história, quase tão longa como o tempo que nos separa daqueles acontecimentos, uma história de críticas e de oposição ao pensamento conotado com aquela "revolução abortada". Uma das mais conhecidas e mais severas mas sustentadas análises críticas foi já publicada em meados dos anos 80, por Luc Ferry e Alain Renaut, com "La Pensée 68 - Essai sur l'Anti-Humanisme Contemporain" (Gallimard, 1985), onde os autores atacam a alegada distorção da história feita por Michel Foucault, as inexactas e pouco científicas análises "marxistas" de Pierre Bourdieu, os golpes mortais de Lacan desferidos sobre o "sujeito" e a "empresa de repetição" superficial da obra de Heidegger feita por Derrida. Apesar de uma clareza de raciocínio insuspeita, a crítica visaria uma revalorização do "humanismo", reintroduzindo um certo iluminismo kantiano contra uma tradição da suspeita (Marx, Nietsche, Heidegger), mas com um indisfarçável tom de "ajuste de contas". Outros autores (Rawls, Habermas e agora Ratzinger-Sarkozy, descontadas as assimetrias e ressalvando as devidas distâncias, evidentemente) e outras obras se seguiram numa polémica que por vezes se cruzou com as discussões confusas sobre o "pós-modernismo", entre outras "imposturas intelectuais".
Longe de ver um fim, esta discussão viu este ano a edição de uma outra obra "La Pensée anti-68 - Essai sur les origines d'une restauration intellectuelle" (Éditions de La Découverte), de Serge Audier, que, segundo parece, pretende fazer uma análise profunda e sistemática destas posições antagónicas, no contexto da sua pluralidade.

O revisionismo histórico e intelectual não é nenhuma novidade, mas se por vezes encobre "obscuras" intenções ou uma certa "má-fé", tem pelo menos a virtude de aguçar o espírito crítico e alertar para o inevitável relativismo dessas mesmas posições de releitura da história das ideias. Por outro lado, se a contra-história revela a insustentabilidade das pretensões objectivistas, ela própria se expõe às iniquidades do perspectivismo. E porque sobre o melhor pano cai a nódoa, cito uma crítica à recente obra de Michel Onfray, "Le Songe d'Eichmann", feita por Patrice Bolon no nº deste mês de uma revista muito conhecida que não refiro, para não me acusarem de fazer publicidade gratuita:

"Comme le rappelle Hannah Arendt dans Eichmann à Jérusalem, lors de son procès, l'organisateur de la déportation des juifs se réclama, à la surprise générale, de Kant. Il n'avait jamais lu Mein Kampf, mais connaissait très bien la Critique de la Raison Pratique, dont son père, un chef d'entreprise luthérien, l'avait imbibé dans sa jeunesse. Interrogé par l'avocat général, Eichmann donna d'ailleurs une formulation tout à fait fidèle de l'"impératif catégorique".
C'est en partant de ce fait que Michel Onfray s'interroge sur les liens entre le kantisme et le nazisme. Ce n'est pas que l'auteur des Critiques aurait "poussé" Eichmann vers le nazisme, mais rien dans son oeuvre, soutient Onfray, ne l'en a dissuadé. Et de rappeler qu'il n'y a, dans ses écrits, aucun appel à l'insoumission (cela sans parler de son racisme anti-noir), mais, au contraire, la nécessité sans cesse réaffirmée de se conformer à la loi, telle qu'elle est formulée. (...)"

Julguem vocês mesmos.

domingo, 18 de maio de 2008

"Poderá a dialéctica quebrar tijolos?"



[René Viénet, La dialectique peut-elle casser des briques? (1973)]

Apesar de seriamente afectado pela acedia nos seus avatares contemporâneos, não poderia deixar passar este mês sem referir esta efeméride. Há quarenta anos atrás a França estava ao rubro com as manifestações de que todos ouviram falar: em Paris, incendiavam-se carros, atiravam-se pedras, colavam-se cartazes e, numa inspiração poética e, simultaneamente, pró e anti-hegeliana, julgava-se na rua o sistema! A ideologia inflamou os espíritos e estes agitaram os corações, fazendo disparar o discurso em todas as direcções, gerando num "jogo livre e harmonioso" entre as faculdades (o entendimento e a imaginação) um movimento infinito de reflexão para produzir um sentimento de prazer (pois é isso que faz a faculdade de julgar, como Kant tão bem explicou). Por isso o slogan "Il est interdit d'interdire" exprime com precisão o espírito de Maio de 68, já que foi o gozo (jouissance) sem limites aquilo que ali se reinvindicou. E se foi a dialéctica nas suas (per)versões marxianas ou maoístas que inspirou o movimento, foi o seu próprio motor - a aufhebung - que ficou trilhado debaixo dos automóveis capotados.
É de sobremaneira conhecido o filão de pensadores e agitadores filosóficos (Deleuze, Guattari, Derrida, Foucault, Lyotard, para citar alguns) que se associou a esse acontecimento, mas foi sobretudo o grupo de artistas-filósofos da Internacional Situacionista (Guy Debord, Asger Jorn, Raoul Vaneigem) que desde meados dos anos 50 foi publicando os textos que preparam aquela explosão ético-estética de Maio. Estes não têm tido talvez o lugar devido nos cursos de filosofia, provavelmente pelo seu ostensivo anti-academismo e pelo seu carácter híbrido, pois tratavam-se de manifestos ao mesmo tempo filosóficos, antropológicos, sociológicos e artísticos, mas não deixam de ser fundamentais para compreender a weltanschauung daquela época que afinal é ainda a nossa.

Aqui ficam algumas ligações para textos e filmes disponíveis online:
Guy Debord - La Société du Spectacle (1967) e o respectivo filme (1973)
Raoul Vaneigem - Traité de Savoir-Vivre à l'Usage des Jeunes Générations (1967)
Outros textos da Internacional Situacionista
O filme na versão integral de René Viénet que parodia os eventos de Maio de 1968.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Artigos Online

Passei por cá e lembrei-me de limpar o pó ao blog. Assim, deixo aqui algo que pode revelar-se útil (ou talvez não). Tê-lo-ia sido, certamente, durante o curso. É uma listagem de artigos da Revista Filosófica de Coimbra disponíveis online. Curiosamente está num site espanhol, da Universidade de Murcia. Está tudo, como é da praxe, em pdf. Julgo é que não são boas digitalizações. A imagem está algo desfocada.
Bem cambada, curtam bués a cena!