segunda-feira, 14 de abril de 2008

Filosofia prática

Um cartaz invulgar colheu-me de surpresa hoje mesmo. E parece que foi feito à medida para responder às declarações do Pinharanda Gomes. O cartaz mostra o programa de um workshop de Filosofia Prática. Não estou a tomar posição, embora o tema seja aliciante para uma discussão. Vejam vocês mesmos este projecto e o programa do referido workshop, em http://entelequia-filosofiapratica.planetaclix.pt/index_entelequia___filosofia_pratica.html.

2 comentários:

Nuno Fonseca disse...

O meu comentário pode parecer pueril, um pouco romântico até, mas a verdade é que acho que foi numa aula de filosofia que uma professora nos fez ouvir uma cassete com o seguinte poema:

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

(José Régio, "Cântico Negro" in: Poemas de Deus e do Diabo, 1925)

O poema não deve ser hoje novidade para ninguém, mas foi para mim naquele momento e por um qualquer mistério contido nas palavras transformou-me para sempre.

HB disse...

Blag, saúdo-te por relembrares esse belo poema. A Poesia sempre me fez pensar que a Filosofia será infinitamente mais ammpla do que aquilo que nos fazem crer. Não está neste poema todo um programa filosófico? Perdoem-me o exagero...

Adiante. Sobre o cartaz alguns comentários pouco fiosóficos. Em primeiro lugar, penso acerca desta economics philosophy o seguinte: que se o contacto com alguns ditos e escritos filosóficos sérios os (aos gestores puros e duros) fizer sair da redoma em que se meteram e pensem em algo mais do que a mera gestão e contabilidade (que belo dueto!), então venha esta filosofia prática. Quem sabe, talvez se humanize a gestão.
Em segundo lugar, suponho que a Filosofia estará sempre a salvo desta ofensiva tecnocrática da estratégia empresarial. Quem já sentiu verdadeiramente a necessidade da Filosofia sabe que no essencial a Filosofia não se encontra ali.
Terceiro, haverão sempre alguns desvios áquilo que considero ser a essência da Filosofia (se tem uma). A sua essência, a mais ampla que posso conceber, é aquela que é procurada por cada um de nós, no momento em que nos propomos buscar uma resposta para algo que se nos afigura como essencial. Viver filosoficamente e não saber filosofia foi sempre o grande segredo (e não aquele que se encontra na Fnac). O "filosofar" do Kant é isso. A Filosofia não estará nunca desligada da vida, não nesta acepção técnico-instrumental, mas da vida como "existência".
Por último, a esta luz, porque não pensar que a curricularização da Filosofia é tão perniciosa como esta nova tecno-philosophy?