La vraie éloquence se moque de l'éloquence, la vraie morale se moque de la morale: c'est-à-dire que la morale du jugement se moque de la morale de l'esprit qui est sans règles.
Car le jugement est celui à qui appartient le sentiment, comme les sciences appartiennent à l'esprit. La finesse est la part du jugement, la géométrie est celle de l'esprit.
Se moquer de la philosophie, c'est vraiment philosopher."
[Blaise Pascal, "Pensées", §467 (M.Lg.), §671 (P.S.), §513 (Laf.)]
No nº deste mês da Magazine Littéraire (juro que não me pagam para fazer publicidade), o dossier é dedicado pela primeira vez desde o seu aparecimento, em 1966, ao "pensador" Blaise Pascal. "Pensador" é na verdade a palavra mais adequada, na medida em que ele pensou as matemáticas e a física, mas também a moral, a filosofia, a retórica, os jogos da política e a teologia. Os "Pensamentos" são os escritos mais célebres do filho de Étienne Pascal (também este um eminente matemático da primeira metade do séc. XVII), mas ele foi também o autor de uma série de cartas que agitaram a polémica entre Jansenistas e Jesuítas e que, segundo alguns, terão sido a incubadora do francês moderno: as "Provinciais". Escreveu uma série de tratados sobre geometria, inventou o cálculo de probabilidades e a "máquina aritmética" ou "Pascalina" (o antepassado mais próximo da nossa máquina de calcular, que permitiria um dia inventar o computador), projectou o primeiro sistema de transportes públicos para a cidade de Paris e depois de uma conversão ao jansenismo, decidiu escrever uma Apologia da Religião Cristã, exilando-se ocasionalmente na abadia de Port-Royal-des-Champs. Essa haveria de ficar incompleta, devido a um estado de saúde sempre precário que levaria Pascal à morte antes de completar os seus 40 anos. Desse projecto inacabado sobrariam fragmentos editados postumamente, por membros de Port-Royal, sob o nome de "Pensées de M. Pascal sur la réligion et sur quelques autres sujets". À sua morte, foi encontrado um papel cozido no interior da sua roupa, denominado "Mémorial", o registo literário da sua experiência mística de 23 de Novembro de 1654, a sua "noite de fogo".
Admirado o seu génio precoce para as matemáticas, pela nata da sociedade científica e mundana de Paris, respeitado mais tarde o seu rigor moral e fervor religioso, pelos seguidores de Jansénius, Blaise Pascal não deixa ainda hoje de espantar pelo espírito geométrico das suas reflexões rigorosas e pelo espírito de subtileza (finesse) com que compôs algumas das páginas mais penetrantes da literatura e da filosofia do século XVII. Filosofia, porque mesmo (ou sobretudo) quando escreveu contra ela, ele filosofava. E quando se diz que Pascal escreveu contra a filosofia, o mesmo é dizer que foi um dos maiores críticos de Descartes, pois o paradigma filosófico da época era o cartesiano. Porém, não foi só contra Descartes que escreveu mas contra os pensadores libertinos que circulavam nos meios mundanos e de quem foram herdeiros alguns filósofos do séc. XVIII.
No século das luzes, erguer-se-iam por sua vez algumas vozes contra Pascal. O mais cínico e anglo-saxónico dos pensadores franceses, Voltaire, lançaria sobre ele as suspeitas de ser um cristão dogmático e perigoso que apenas pintou a humanidade de cores negras e pútridas e que por isso o elegera como o inimigo do género humano, um "misantropo sublime" (Cf. Magazine Littéraire, nº 469, p. 33). Diderot e D'Alembert haveriam de reabilitar Pascal, mas sobretudo pelas suas qualidades literárias e de matemático genial. Manejando como Voltaire a "arte de persuadir", Condorcet consegue transformar o apologista da religião cristã num ateu (não terá sido o único a pensar assim) e, na passagem para o séc. XIX, há quem veja nele um poeta romântico. Nesse século haveria a necessidade de re-editar as "Pensées" numa perspectiva mais literária e menos apologista, mas só no século XX se fizeram esforços filológica e arqueologicamente rigorosos para as editar. [Durante metade do século XX as edições Brunschvicg e Tourneur-Anzieu levaram os "Pensamentos" aos seus leitores (Valery, Camus, etc); mas a partir de meados do século, Lafuma, Pierre Mesnard, Michel Le Guern e Philippe Sellier são as mais fiáveis.]
Hoje em dia, há um novo interesse pelo autor, como revela o facto de se estar a preparar uma peça de teatro a partir das "Provinciales", ter sido feito um filme este ano sobre Port-Royal e continuarem a sair livros sobre e a partir de Blaise Pascal.
Falei deste assunto, por um lado, porque como sabem é um dos autores que mais me está a ocupar neste momento e porque a sua especificidade nos leva a pensar de novo esses limites entre Filosofia e Literatura, mas também e sobretudo Filosofia e Teologia, cujo post está mesmo aí a chegar. Talvez.
E são só 6,20€.
Admirado o seu génio precoce para as matemáticas, pela nata da sociedade científica e mundana de Paris, respeitado mais tarde o seu rigor moral e fervor religioso, pelos seguidores de Jansénius, Blaise Pascal não deixa ainda hoje de espantar pelo espírito geométrico das suas reflexões rigorosas e pelo espírito de subtileza (finesse) com que compôs algumas das páginas mais penetrantes da literatura e da filosofia do século XVII. Filosofia, porque mesmo (ou sobretudo) quando escreveu contra ela, ele filosofava. E quando se diz que Pascal escreveu contra a filosofia, o mesmo é dizer que foi um dos maiores críticos de Descartes, pois o paradigma filosófico da época era o cartesiano. Porém, não foi só contra Descartes que escreveu mas contra os pensadores libertinos que circulavam nos meios mundanos e de quem foram herdeiros alguns filósofos do séc. XVIII.
No século das luzes, erguer-se-iam por sua vez algumas vozes contra Pascal. O mais cínico e anglo-saxónico dos pensadores franceses, Voltaire, lançaria sobre ele as suspeitas de ser um cristão dogmático e perigoso que apenas pintou a humanidade de cores negras e pútridas e que por isso o elegera como o inimigo do género humano, um "misantropo sublime" (Cf. Magazine Littéraire, nº 469, p. 33). Diderot e D'Alembert haveriam de reabilitar Pascal, mas sobretudo pelas suas qualidades literárias e de matemático genial. Manejando como Voltaire a "arte de persuadir", Condorcet consegue transformar o apologista da religião cristã num ateu (não terá sido o único a pensar assim) e, na passagem para o séc. XIX, há quem veja nele um poeta romântico. Nesse século haveria a necessidade de re-editar as "Pensées" numa perspectiva mais literária e menos apologista, mas só no século XX se fizeram esforços filológica e arqueologicamente rigorosos para as editar. [Durante metade do século XX as edições Brunschvicg e Tourneur-Anzieu levaram os "Pensamentos" aos seus leitores (Valery, Camus, etc); mas a partir de meados do século, Lafuma, Pierre Mesnard, Michel Le Guern e Philippe Sellier são as mais fiáveis.]
Hoje em dia, há um novo interesse pelo autor, como revela o facto de se estar a preparar uma peça de teatro a partir das "Provinciales", ter sido feito um filme este ano sobre Port-Royal e continuarem a sair livros sobre e a partir de Blaise Pascal.
Falei deste assunto, por um lado, porque como sabem é um dos autores que mais me está a ocupar neste momento e porque a sua especificidade nos leva a pensar de novo esses limites entre Filosofia e Literatura, mas também e sobretudo Filosofia e Teologia, cujo post está mesmo aí a chegar. Talvez.
E são só 6,20€.
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