domingo, 14 de setembro de 2008

Big Bang e o "Criacionismo Científico"



["Big Bang V2.0", uma apresentação do Dr. Brian Cox do Large Hadron Collider, no CERN, Genebra]

No passado dia 10 de Setembro, ligaram a máquina que visa reproduzir as condições da matéria, nanosegundos depois do Big Bang. De modo mais preciso, um dos objectivos é fazer colidir protões do átomo de hidrogénio a uma velocidade muito próxima da da luz, para que nesse choque se libertem energia e sub-partículas fundamentais que serão registadas e medidas pelos "detectores" - ATLAS e CMS - e que servirão para compreender como surge a massa da matéria, nomeadamente, se for descoberto o "bosão de Higgs" (uma partícula prevista pelo físico Peter Higgs, já nos anos 60, mas) que nenhuma experiência antes permitiu demonstrar. Se esta partícula for revelada experimentalmente, confirma-se o actual "modelo padrão" da física de partículas, ou seja, uma "teoria" que descreve três das quatro interacções fundamentais (fraca, forte e electromagnética; ficando de fora a gravitacional que não é explicada por esta teoria da mecânica quântica, mas antes pela da relatividade geral) entre as partículas elementares que constituem a matéria (:uma teoria quântica de campos desenvolvida nos anos 70). Se não for verificada experimentalmente a existência desta partícula tão procurada, é possível que a "teoria" seja falsificada, abrindo-se um período de crise na física de partículas. Ora este é um ramo da ciência fundamental e a especulação a que tenho assistido é que essa crise seja verdadeiramente tão profunda que prepare uma mudança de paradigma, ou seja, uma autêntica "revolução científica"!

Para outros leigos como eu que queiram obter mais alguma informação sobre o "modelo padrão" e a física de partículas, o site do CERN fornece algumas explicações aqui.
Sobre a teoria das "super-cordas", uma teoria hipotética que explicaria tudo, ou seja, que uniria a actual mecânica quântica com a teoria da relatividade, veja-se aqui.



["the Large Hadron Collider", filme de apresentação do acelerador de partículas do CERN, in CERNTV]

sábado, 13 de setembro de 2008

Filosofia e (a-)Teologia

Quase desde o início deste blog que ficou prometido o comentário sobre este tópico, ao mesmo tempo, aparentemente fácil e difícil, o das relações de afinidade entre Filosofia e Teologia. Mas porque, visto de outro modo, a história destas duas eternas rivais sempre foi um pouco a das suas divergências ou, pelo menos, do constante esforço da Filosofia por se autonomizar e afastar da Teologia, falar desta relação é falar da direcção a(nti)teológica da Filosofia.
Se é verdade que a distinção entre as duas nem sempre foi clara - Aristóteles no livro E da Metafísica parece referir-se à Filosofia Primeira como Teologia, ou seja, a maior de todas as ciências teóricas, a que considera o ser enquanto ser (Metafísica, E, 1, 32-33); e durante uma grande parte da Filosofia Medieval (a que Étienne Gilson chama mesmo de Filosofia Cristã) é muitas vezes difícil separar o domínio teológico do domínio filosófico -, também é verdade que um número considerável de filósofos (a começar por Sócrates) foram perseguidos, censurados e excomungados, ora como ímpios, ora como verdadeiros ateus. Com mais força ainda, o movimento de "esclarecimento" da Filosofia sempre foi o de iluminar através da razão os fenómenos do Mundo - ainda que por vezes à custa do espartilho abstracto do conceito que o desencanta e da articulação mecânica do sistema que sobre ele discorre -, enquanto a Teologia visa responder a uma urgência de justificação, pela razão, de Deus e do mistério da Criação - entendida aqui como o mundo criado -, conservando, no entanto, essa justificação nos limites entre o entendimento e a fé.
Evidentemente, houve muitos pontos de contacto entre a empresa filosófica e a empresa teológica, sobretudo desde o advento do cristianismo que dominou a Filosofia Ocidental desde o final da antiguidade até, pelo menos, ao século XVII (e cuja influência não parou por aí, obviamente). Claro que estas relações já existiam em contexto hebraico e voltaram a existir (talvez até de modo mais reforçado) no contexto islâmico, mas também aí houve muitos casos de suspeita de ateísmo sobre alguns filósofos mais ousados. Com efeito, as afinidades entre os dois domínios resultaram muitas vezes de um esforço de reconciliação entre uma tradição pagã (nomeadamente, helenística) e um contexto religioso, onde germinava uma ambição especulativa e se criava um sistema doutrinal, cuja natureza especulativa necessitava de uma legitimação racional. E essa reconciliação foi possível pela proximidade dos seus anseios metafísicos, pela equivocidade da sua linguagem e pela comunhão de um velho princípio parmenidiano que postulava a unidade do Ser. Mas a paz "pré-westefaliana" da sua co-habitação foi mantida apenas na medida em que uma se reconhecesse como "ancilla" da outra. Qualquer movimento de autonomização por parte da "ancilla" era considerado como herético e condenado (Giordano Bruno ou Galileu, em contexto cristão). A partir do momento em que o princípio da secularização foi proclamado, inaugurou-se outro tipo de paz ("pós-westefaliana") baseado na separação entre os dois domínios (tornando possível o século das Luzes e a Aufklärung, onde a criticismo kantiano iria exprimir filosoficamente essa secularização pacífica). Mas como os maus hábitos custam a desaparecer, muitos foram os filósofos que, mesmo depois de 1648, ainda foram excomungados (Espinosa, em contexto judeu) ou viram as suas carreiras académicas interrompidas (Fichte, já no final do século XVIII) pelos seus propósitos "heréticos". E se a linguagem ambígua dos românticos e dos idealistas ainda sugeria uma aproximação das duas disciplinas, os casos de "ateísmo" ou de "agnosticismo" filosófico multiplicaram-se a partir de meados do século XIX.
Todavia, a perspectiva pós-moderna (num sentido lato que a faz começar com Nietzsche) da história da filosofia revelou a persistência de uma matriz onto-teológica na metafísica ocidental em geral. E, mesmo no século XX, sobretudo em momentos de crise pós-traumática, ressurgiram derivas teológicas da filosofia, (nomeadamente, o personalismo de E. Mounier, a fenomenologia francesa da segunda metade do século, com Levinas, Jean-Luc Marion ou Michel Henry e uma certa hermenêutica). Por outro lado, os "gritos" de reivindicação ateísta perderam a sua intensidade devido à progressiva laicização do pensamento filosófico. No entanto, em resposta ao "desencantamento do mundo", à tecnocratização das relações sociais e políticas, ao esvaziamento axiológico na moral capitalista e à aniquilação do sentido da história, viu-se, no final do século XX e continua a ver-se no princípio deste século XXI, o recrudescimento das manifestações religiosas mais conservadoras e fundamentalistas. Por isso, designadamanente do outro lado do Atlântico (Daniel Dennett e Richard Dawkins) e em resposta a esse neo-conservadorismo, têm-se levantado vozes filosóficas que afirmam um materialismo extremo, apoiado nas neurociências, na genética, no avanço das novas tecnologias e na biologia evolucionista, fazendo-se acompanhar da profissão de um "ateísmo forte" ou "ateologia", propondo argumentos de vários tipos para desacreditar a teologia e as religiões em geral.
Na Europa, a "ateologia" encontrou uma voz (Michel Onfray) que, em vez de argumentar com a eficácia da ciência contra a inevidência e obscuridade da teologia, resolveu denunciar, através de uma contra-história da filosofia, a influência perniciosa do cristianismo no pensamento ocidental, fazendo, ao mesmo tempo, a apologia de uma ressurreição da vertente epicurista, mas também hedonista, da filosofia pagã e dos seus avatares modernos libertinos, libertários e anarquistas.

Porém, e independentemente de tudo isto, há ainda uma grande diferença epistemológica definitiva entre filosofia e teologia. Enquanto a teologia tem um objecto de estudo definido - Deus, a palavra divina (revelada no Livro e/ou na manifestação de Deus na História) e as relações entre Deus e o homem (que podem incluir as relações com os outros homens sob o signo da instituição religiosa) -, a filosofia tem antes um campo problemático aberto e não um objecto de estudo específico, onde, eventualmente também aparece a religião, Deus, a alma, entre outras questões metafísicas que, por vezes, se cruzam com as da teologia, mas que nem por isso se sobrepõem.


segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Blitzkrieg

Faz hoje 69 anos que a Alemanha invadiu a Polónia, numa agressiva operação que ficou conhecida como "Blitzkrieg" - a guerra relâmpago - dando assim início à 2ª Guerra Mundial. A estratégia escolhida pelo exército alemão parece ter iniciado aquilo a que, para abusar dos termos de Paul Virilio, poderíamos chamar de "Era Dromológica", e ter servido de modelo a outras "invasões" contemporâneas mais recentes. A transformação da percepção do tempo e do espaço nestas novas guerras contribuíu, porém, sobretudo para produzir excrecências espectaculares de imagens histéricas, esvaziadas de conteúdo ontológico. É o espectáculo mágico, de que fala Virilio, cujo temor é semelhante ao que inspiravam os relâmpagos nos homens primitivos.


[Cenas de combate durante a invasão da Polónia, num jornal de Propaganda e Guerra alemão Ufa Ton-Woche, 1939]


"A guerra não se pode separar do espectáculo mágico, porque a produção do espectáculo é o seu próprio objectivo: abater o adversário é menos capturá-lo do que cativá-lo, é inflingir-lhe, antes da morte, o pavor da morte."

Paul Virilio, in "Logistique de la perception - Guerre et Cinéma", citado e traduzido por Edmundo Cordeiro no prefácio de "Velocidade de Libertação".